Sem dúvidas, trata-se de um tema de inflamadas discussões: sobretudo entre socialistas, comunistas, intervencionistas, autoritários de todos os tipos e conservadores e liberais. Não só, também entre conservadores e liberais. E, como não poderia deixar de ser, também entre liberais e liberais.
Constitui o direito de propriedade um dos pilares da doutrina da liberdade. A todo homem é dado o direito de possuir o objeto contratado ou possuído originalmente, e ele, somente ele, tem a autoridade e a legitimidade de fazer uso de sua posse. Nos limites de seu domínio, o indivíduo é rei e a ninguém é facultado ou deve ser dada a liberdade de influenciar ou restringir o uso ou não-uso da propriedade.
Em linhas gerais, praticamente toda legislação ocidental reconhece em suas constituições o direito à propriedade individual: varia, no entanto, a quantidade e a intensidade das exceções garantidas por lei a este direito.
É de grande repercussão, por exemplo, a decisão do Tribunal Regional do Trabalho que impediu a demissão de milhares de funcionários da Embraer - uma empresa privada - e, idem, as diversas decisões de reintegração na posse: nada incomum, num país como o Brasil, que o proprietário seja obrigado a acionar a Justiça e o Poder de Polícia estatal para que lhe seja permitido adentrar sua casa.
Na maioria das vezes descabida, a restrição da propriedade, de tão banalizada e utilizada de modo popularesco - vide as reformas agrária, e as desapropriações de "interesse público", ou, ainda, num aspecto mais econômico, as diversas restrições à liberdade de contrato entre empregador e empregados -, já costuma ser observada como normal pela maior parte da população. Aliás, parece-me que a percepção popular de justiça quanto à limitação ou destruição do direito de propriedade é diretamente proporcional aos zeros na conta bancária do indivíduo.
Salário mínimo, teto de plano de saúde, desapropriação, normas de construção (em termos gerais) etc são flagrantes abusos ao direito de propriedade. E isso parece pacífico entre a maioria absoluta dos liberais. Somos quase unânimes ao descartar justificativas "sociais" ou "de interesse público" para a restrição do uso, fruição e disposição das posses.
Eu disse "quase".
Ainda que seja possível a concordância quanto à maioria das limitações, somos obrigados a admitir que em diversos casos, evidentemente, existe um uso de propriedade que acaba por colocar em risco um sem-número de indivíduos, constituindo, claramente, um caso de interesse público. Imagine-se, por exemplo, o caso de um sujeito que resolva, habitando um prédio domiciliar, guardar TNT em seu apartamento; ou, ainda, aquele que faz de seu hobby a criação de mosquitos da dengue; podemos citar também a absurda situação de um sujeito que comprasse as cercanias de uma fazenda e vedasse ao dono desta a travessia de suas terras, privando o indivíduo do acesso à estrada.
Fugindo de exemplos abstratos, mencionamos também o caso de perturbação da ordem, caso em que um indivíduo pode resolver ligar o seu aparelho de som no volume máximo ao som de Exaltassamba. Ora, qualquer sujeito sensato deve concordar que obrigar outrem a agüentar tamanho mau-gosto já é um disparate, constituindo a propagação de uma porcaria dessas em vários decibéis um crime!
É necessário conceder àqueles que argumentam pelo caráter absoluto da propriedade que não é possível traçar qualquer critério objetivo e infalível para a restrição à liberdade de uso das posses. Da mesma forma, não é possível descartar, a priori, tais restrições por estes motivos.
A dificuldade em se chegar à verdade e ao justo de maneira alguma deve servir como pretexto para a defesa do absurdo.
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