Direitos e Deveres

Há algum tempo venho querendo reativar o blog com alguma postagem despretensiosa. Como o próprio título já diz, todos os textos aqui escritos têm (sim!) o objetivo de tratar de pensamentos esparsos que me ocorrem no dia-a-dia, comentários corriqueiros sobre temas de grande repercussão.

Qual não foi a minha supresa ao ver uma postagem no blog do Prof. Roberto Moraes que toca no assunto do qual pretendia falar. É a transcrição de um artigo escrito pelo Senador Cristovam Buarque (PDT-DF). O senador Cristovam ficou conhecido nacionalmente por sua campanha presidencial de 2002: ao martelar no mito de que a educação é a chave para o paraíso na terra tupiniquim, acabou por conseguir alguns milhões de votos e garantiu o posto de ministro da educação por um ano no primeiro mandato do governo Lula. Não tão habilidoso com ações quanto é em encantar desavisados, falhou miseravelmente em todos os seus projetos; pior: de tão ruim o trabalho, não foi possível aos marketeiros do governo elaborar sequer um grande projeto nacional da educação, que salvasse o fiasco da administração - como ocorre em outras áreas do governo.

0,,14505061-EX,00Não que a educação pífia da população brasileira seja algo a ser desprezado: não é. Ocorre que em um país onde a liberdade econômica é alvejada por todos os lados pelos órgãos estatais, a livre-iniciativa é marginalizada e censurada pela maioria dos políticos e o capitalismo odiado pela quase totalidade da intelligentsia, não haveria sentido falar-se em uma população extremamente capacitada. Afinal, trabalhariam onde? Nas empresas públicas? Nos órgãos federais, estaduais e municipais?

Parece que, buscando maior alcance midiático, o senador resolveu elevar o tom. Não existe mais a necessidade nacional da educação: segundo o próprio senador, os que seguem são direitos globais: o direito ao meio ambiente (???); o direito à migração (talvez o único lapso de inteligência, feitas certas considerações); o direito ao emprego e o direito à saúde.

Não me parece, sinceramente, que a vulgarização do termo direito ajude causas humanitárias: quanto mais direitos são criados por intelectuais, políticos e líderes de quaisquer espécie, mais enfraquecidos e enfadonhos tornam-se seus discursos, mais obsoletas mostram-se suas idéias e menos atenção é dispensada aos seus delírios. Para mim, ouvir alguém falando hoje em direito universal à educação é tão comovente quanto se dissessem que todos os macacos devem ter direito à bananas.

Nos dias de hoje, qualquer situação ou fato que seja extremamente desejável, v.g., felicidade, satisfação pessoal, conforto etc, já é elevado automaticamente ao status de direito inalienável do indivíduo. Basta perceber que em todo e qualquer texto que almeje estabelecer essa verdade, bastam apenas algumas linhas de argumentação para que suas idéias tornem-se inquestionáveis e exigíveis.

Existe, porém, uma grande barreira nesse mundo encantado de direitos e  felicidades.

Ao dizer que indivíduos têm direito à saúde, por exemplo, a única possível inferência é a de que outros mst1indivíduos devem cuidar para que não influenciem a saúde de outrem negativamente. Qualquer interpretação fora deste círculo significa dizer que outros indivíduos estão obrigados a manter uma pessoa saudável. Na prática, se seu vizinho está doente e não possui meios para cuidar-se, isso significa que você é obrigado, ainda que contra sua vontade e possibilidade, a mantê-lo vivo, mesmo que isso signifique sua ruína financeira. E não há pessoa sensata ou justa que ouse negar que negócios inteiro (por conseqüência, indivíduos e famílias) foram arruinados pelo peso dos impostos. Tal, ainda, é uma proposição erga omnes e o mesmo vale para a educação: é sua obrigação e dever cuidar para que todas as crianças - e adultos - estudem; é sua obrigação garantir que todos tenham emprego - o que significa pagar seus salários de bico calado e sem poder exigir nada. Os mais animadinhos diriam que também é seu dever garantir a felicidade e satisfação pessoal de cada indivíduo deste país - ou do mundo, para o Senador Cristovam Buarque.

Há, queiram os demagogos ou não, uma dupla face - ou antinomia, nos saudosos dizeres de Mário Ferreira dos Santos - em todo direito. Para todo e qualquer direito existente, existe uma contrapartida, um dever, uma obrigação a ser cumprida. E, obviamente, se a alguém é devida uma prestação, a alguém é imposto o ônus de "pagá-la". O direito à vida, por exemplo, não significa exatamente o direito que todos têm de viver a qualquer custo, mas o dever a todos imputado de não violar a vida de outrem. Da mesma maneira, quando dizemos que existe o direito à propriedade, isso não significa que todos devem possuir alguma propriedade, mas que a ninguém é facultado modificar ou destruir as posses de outro indivíduo.

Sem o cuidado de observar-se esse caráter extremo de um direito, sua face pesada, qual seja, o dever, muito se contribuiu para a difamação e banalização desse caractere fundamental à sociedade. Imaginar e gritar aos quatro ventos que a alguém é devida tal situação significa dizer que a alguém é imposta a obrigação de promover, concretizar tal situação.

Sob o pretexto de transformar o mundo em um lugar ideal - a todo custo -, políticos e intelectuais atribuem à "sociedade", ou seja, os indivíduos que compõem tal grupo, a obrigação e dever moral de custear e promover seus anseios, não importando os próprios desígnios do sujeito. Ainda que não seja dada a devida atenção a este fato, temos a aniquilação, total supressão do indivíduo em prol de um grupo eleito.

Deste terrível cenário nasce, aí sim, a obrigação de cada um de lutar contra tais abusos: o indivíduo não deve e não pode obrigar seus semelhantes a cumprirem seus desígnios, mas, tão-somente, ansiar sinceramente que todos os outros, livremente, o sigam.

delacroix-liberty

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