O Problema das Garantias

Uma das discussões mais acaloradas que rolam por aqui trata da possibilidade da não-existência de um Estado e dos motivos para que este desapareça e jamais seja montado de novo.

Simplificando bastante - espero que não tanto a ponto de enfraquecer o argumento, que, pessoalmente, considero bom -, os anarco-capitalistas sustentam que:

rothbarda) Da falta legitimidade do Estado: os princípios liberais podem ser  resumidos ao Princípio da Não-Agressão, ou seja, é injusto usar de ameaça física, coerção, para obrigar que uma pessoa aja ou se abstenha a fazer determinada coisa. O Estado, por estabelecer imperativos legais a todos os cidadãos - ainda que todos não estejam de acordo com a lei aplicada -, promove a coerção naturalmente, essencialmente.

b) Da ineficiência e natureza do Estado: essencialmente, o estado é mau, pois promove a violência, logo, ainda que haja beneficamente numa situação - punindo um assassino, por exemplo -, não perde sua característica maléfica. Além disso, o Estado tende ao crescimento, não se limitando a atuar somente como garantidor da justiça, tal qual sustenta a maioria dos liberais.

c) Da alternativa ao Estado: nem tudo está perdido. Segundo o credo anarco-capitalista, o mercado fornecerá o serviço de segurança e cuidará das legislações a serem aplicadas às regiões ou indivíduos. O mercado, sustentam, proveria com uma eficiência muito maior o que hoje é monopólio estatal, além de contrabalancear as forças, através da competição por clientes, não permitindo a formação de monopólios.

Basicamente, é disso que os anarco-capitalistas falam quando uma discussão sobre a questão da segurança pública e das leis surge. Confesso que, por algum tempo, tais idéias me fascinaram e o rigor lógico empregado a algumas proposições é admirável - ainda que num sistema fechado, é verdade. Entretanto, por enquanto pretendo falar brevemente sobre o terceiro ponto, deixando para tratar dos outros dois assuntos em oportunidades posteriores.

 

Uma abordagem muito comum no discurso ancap é apontar a estrutura essencialmente má do Estado. Uma das grandes deficiências dessa abordagem, na minha opinião, é retratar e tratar o Estado como um ente homogêneo, dotado de vontade, dotado de objetivos intrínsecos à sua condição de Estado. Na verdade, não é o que existe.

O Estado nada mais é que uma agremiação de pessoas, de agentes, com estruturas formadas por pessoas, por indivíduos. É indispensável corrigir, também, que o Estado não possui uma vontade homogênea, sendo composto de uma série de subdivisões e poderes, que muitas vezes se contradizem (como no caso de uma anulação de lei inconstitucional, ou do não-cumprimento de uma decisão judicial, por exemplo); importante lembrar também que, como unidades dentro de um corpo, os territórios estatais competem entre si. A guerra fiscal, por exemplo, é uma excelente faceta da competição interna entre os agentes públicos. Portanto, parece certa forçação de barra, e, por vezes, desonestidade tratar como um ser independente uma estrutura sem vida, controlada por outrem.

E aí está o gancho para o título desta postagem. O Estado é controlado por indivíduos, indivíduos que votam leis e moldam as organizações por meio da qual identificamos a ação estatal. Não cabe falar de uma essência ruim do Estado posto que, houvesse uma falha irremediável e atrelada à tal estrutura, a corrupção, v.g., não deveria apresentar nozickvariações tão grotescas entre regiões diferentes; do mesmo modo, a violência da ação estatal deveria ser semelhante entre os quase duas centenas de países. Ainda neste sentido, não seria possível falar de um Estado essencialmente mau que se limitasse a  promover a punição de transgressões éticas e a manutenção da ordem, porque mandamentos éticos têm de ser universais.

Não consigo, realmente, enxergar por que num país como o Brasil, com instituições em frangalhos e corrupção em todos os níveis dos poderes republicanos, um mercado que envolvesse o estabelecimento de leis e a aplicação coercitiva destas, deixando o mercado livre para a ação de bandos e milícias, seria mais virtuoso que um modeo em que, pelo menos, todos os "clientes" são potencialmente protegidos por garantias significativas.

Acredito que instituições tem potencial infinito de serem aprimoradas, remodeladas, modernizadas. Mas que isso não pareça um apreço pela engenharia social! Tenho verdadeiro asco a qualquer projeto de sociedade, de progressismo chulo. Tendo a acreditar em indivíduos, não em modelos, não em grupos. E, sem dúvida, quanto maior a liberdade destes indivíduos, maior será a prosperidade de sua organização social.

"Our main conclusions about the state are that a minimal state, limited to the narrow functions of protection against force, theft, fraud, enforcement of contracts, and so on, is justified; that any more extensive state will violate persons’ rights not to be forced to do certain things, and is unjustified; and that the minimal state is inspiring as well as right. Two noteworthy implications are that the state may not use its coercive apparatus for the purpose of getting some citizens to aid others, or in order to prohibit activities to people for their own good or protection."

Robert Nozick - Anarquismo, Estado e Utopia

2 comentários :: O Problema das Garantias

  1. Igor,
    Dei uma olhada rápida no seu blog. Pareceu-me muito bom.

    Bueno, apenas queria comentar que os ancaps, como Rothbard e Hoppe por exemplo, não sustentam que o Estado seja um ente por si só. Suas análises mostram dois elementos que fazem o Estado ser um instrumento bastante maléfico em relação as instituições privadas.

    1° - todo homem busca atingir seus próprios objetivos, portanto, os homens que usam o aparelho do Estado estarão permanentemente interessados em aumentar o seu poder

    2º - a desutiliade do trabalho. Isto quer dizer que o homem possui uma inclinação irresistível ao descanso que ao trabalho, sendo que numa entidade monopolista de certos serviços e ainda que obtem sua renda via coerção (tributos), os incentivos à desutilidade o trabalho se intensificam, resultando em cada vez piores serviços à comunidade a um preço cada vez mais alto, visto que o Estado não está submetido a relação contratual e livre para obter sua renda, bastanto aumentar os impostos se necessário.

    Assim, reforço, a análise desses autores concetra-se na ação individal para analisar as conseqüências de se aceitar uma entidade com o Estado.

    Abraço!
    Lucas

  2. Acrescentanto o post anterior....

    Eu diria sim, que é possível discutirmos a análise ancap do Estado absolutamente maléfico, conforme eles expõem, mas julgo que tal exame, de acordo com as duas características que coloquei acima, deve se fundamentar em verificar em que medida estas duas características da ação humana são em si absolutas. Se elas forem, pode-se dizer que os ancaps estão absolutamente certos. Se os dois elementos não são absolutos, a teoria ancap sofre problemas em suas bases da crítica ao Estado.

    Por seu lado, Hoppe, em seu contundente "Democracy: The God that Failed", procurou mostrar estatisticamente, que o Estado tem se expandido ao longo do tempo, e com isto, trazendo inúmeras conseqüências danosas social e economicamente ("declínio civilizacional", é o termo que ele usa). Portanto, ele pretende mostrar que as bases teóricas estão corretas inclusive na constatação histórica.

    Pode ser, mas não sei, pois parece haver alguns exemplos de países que implantaram efetivamente medidas liberais no sentido de reduzir os tentáculos do Estado e de fato conseguiram. (Inglaterra; República Tcheca; entre outros).

    Bueno, talvez não seja a regra, mas parece que a busca pelo interesse próprio se de fato é uma verdade absoluta, talvez ele ainda pode estar a favor da redução do Estado. Além disso, a desutilidade do trabalho, pode ser reduzida conforme medidas que sejam tomadas em termos de gestão.

    Enfim, para encerrar, parece que há a possibilidade de avançar um pouco mais na discussão com os ancaps, se assim, eles aceitarem.

    Abraço
    Lucas
    www.austriaco.blogspot.com