A Ascensão, o Declínio e Renascimento do Liberalismo Clássico: Introdução

 

Do original The Rise, Decline and Reemergence of Classical Liberalism - Introduction: The Definition of Classical Liberalism por Amy H. Sturgis

 

      O Liberalismo contemporâneo consiste em separadas e habitualmente contraditórias influências de pensamento derivadas de um ancestral comum; o 'pai' intelectual dessas variantes não tem apenas permanecido intacto: ele tem sobrevivido por mais tempo que alguns de seus frutos e mostrado mais força intelectual que outros. Os princípios desse 'pai', conhecido como liberalismo clássico, têm respondido às necessidades e aos desafios de mais de três séculos no Ocidente. Observando seu passado e desvendando como ele respondeu às dramáticas mudanças econômicas, tecnológicas, políticas e sociais, talvez entendamos como o liberalismo clássico provém uma sólida fundamentação para o futuro.

 

      Visando atribuir consistentes limites a este estudo, eu preciso, primeiramente, definir liberalismo clássico. Acadêmicos têm oferecido diferentes interpretações sobre este termo. Por exemplo, E. K. Bramsted, co-editor da monumental antologia Western Liberalism: A History in Documents from Locke to Croce (1978), afirma que o liberalismo clássico dá suporte aos direitos individuais(com cuidadosa atenção aos direitos mais ameaçados das minorias), ao direito de propriedade - em particular, a obrigação governamental de proteger a propriedade -, a um governo constitucionalmente limitado e a uma crença no progresso social(36). John Gray alarga essa descrição em Liberalism (1986) para incluir filosofias que demonstrem individualismo, igualitarismo e universalismo(x). Em Liberalism Old and New (1991), J. G. Merquior argumenta que as teorias dos direitos humanos, o constitucionalismo e a economia clássica definem o liberalismo clássico.

 

      Na verdade, esses acadêmicos e outros concordam mais do que destoam entre si sobre componentes filosóficos. Para a finalidade desta cronologia e análise, eu devo aplicar um amplo critério para se determinar se uma idéia ou indivíduo encaixa-se nesta tradição intelectual. Nesse contexto, o liberalismo clássico inclui o seguinte:
          - uma ênfase ética no indivíduo como um portador de direitos a priori da existência de qualquer estado, comunidade ou sociedade;
          - a promoção do direito de propriedade e, atada à sua conclusão econômica, um sistema de livre-mercado;
          - o desejo de um governo constitucionalmente limitado, para proteger direitos individuais de outros e da própria expansão governamental;
          - e a universal (global e não-histórica) aplicabilidade de todas as condições acima.

 

      Essas características excluem alguns pensadores comumente ligados ao liberalismo clássico, embora eles abracem muito mais que excluam indivíduos. A falha em exibi-las, entretanto, aponta para uma diferença bastante fundamental entre as mentes que compõem a tradição. Dois casos diversos de pensadores associados ao liberalismo clássico, mas não pertencentes a esta ideologia talvez sirvam como exemplos. Primeiro, Jeremy Bentham e os utilitaristas aceitavam direitos limitados e economia de mercado até onde eles provissem a maior alegria para o maior número de pessoas. Os fins do liberalismo clássico servem como meios convenientes a eles, mas os eventuais fins que eles buscavam traíam um coletivismo intelectual incompatível como o critério acima. De um ângulo diferente, a visão de Jean Jacques Rousseau acerca do contrato social, também notável, incluía uma noção quase mística de uma vontade geral. Tal conceito criou uma elite extremamente forte para interpretar e impor sua vontade pela força, se necessário. De novo, componentes vitais do pensamento liberal clássico são ofendidos. Nem Bentham nem Rousseau, logo, são membros desse legado.

 

      Qualquer tentativa de contar a história do liberalismo clássico não fará justiça à imensa riqueza e diversidade de indivíduos e movimentos contidos nele. Nessa história, três temperos distintos coexistem e se constantemente se misturam: a realista tradição legal inglesa, a racionalista tradição  francesa de humanismo, e a organicista tradição individualista alemã. John Gray caracteriza essas três complementares definições de liberdade - ainda que conflituosas entre si -, com a Inglaterra representando independência; a França, autonomia; a Alemanha, realização pessoal. Além dessas diferenças nacionais, dois conceitos paralelos sobrevivem durante a história do liberalismo clássico, independentemente dos limites geográficos. Um é qualificado mediante uma visão negativa da natureza humana, aceitando que pessoas são igualmente falhas e incapazes da perfeição. Ele segue da perspectiva de que o poder deve ser limitado porque ele permitiria que indivíduos corruptos praticassem mais danos que outros. A outra perspectiva sustenta que todas as pessoas são intrinsicamente boas e suscetíveis à perfeição, logo, o poder deve ser limitado para deixar que a humanidade desenvolva-se em direção a uma ordem mais perfeita de autonomia.

 

      Essa cronologia não pode, admitidamente, dissertar sobre todo contribuidor ou toda escola de pensamento em se tratando de uma tradição tão multifacetada e duradoura. Por exemplo, as contribuições de Lysander Spooner e dos anarquistas americanos do século 19, ou de Albert Jay Nock e a Velha Direita Americana poderiam ter sido facilmente incluídas. Fiz um esforço para indicar os líderes que simbolizam os estágios históricos da ideologia. A ausência de nomes e trabalhos não indica, necessariamente, qualquer julgamento de pouca importância. Esse tratado é concebido para dispor uma introdução geral à ascensão, declínio e renascimento do liberalismo clássico, e, portanto, é limitado pelo espaço e finalidade. Como a decisão de incluir e omitir fatos foi difícil, e, por pouco, arbitrária, eu peço o perdão do leitor ao começar a retomada histórica.

 

 

Continua...

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